domingo, 21 de março de 2021

Pedro Bial - Vai Entender o Brasil in: Crônicas de Repórter

Crônicas de Um Repórter | Amazon.com.br

 

Vai entender o Brasil!

Na Bienal do Livro de São Paulo, o jornalista Claudiney Ferreira, veterano repórter do mercado editorial brasileiro, me conta que este mercado é 30% maior do que o francês! É claro que isso não quer dizer que na França se leia menos do que aqui, país onde quem não é analfabeto só lê por obrigação. Esse tipo de estatística nos espanta, como o menino que olha a fita métrica duas vezes, abismado com o próprio tamanho. Mesmo com nossa legião de excluídos, somos um baita mercado, como diria o gaúcho...

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Vai entender...

Falar de poesia sempre foi a melhor maneira de botar um editor para correr. Pois não é que no estande da Editora Record, a dona dos maiores best-sellers importados, os dois títulos mais vendidos foram volumes de poesia brasileira: Farewell, de Carlos Drummond de Andrade, e Livro Sobre Nada, de Manuel de Barros.

Só mesmo poetas seriam capazes disso... A poesia está muito acima!

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Aliás, tive uma noite maravilhosa de poesia, no auditório número seis do monstruoso Expo Center Norte. Lá, reencontrei sobre um palco os amigos Claufe Rodrigues e Luiz Petry. Juntos, quando jovens, os três amigos fazíamos recitais em bares cariocas. Pretendíamos apresentar um espetáculo de leitura de poemas que rivalizasse com um show de rock... Isso no início da década de 80, época do, com o perdão da palavra, boom do rock nacional!

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Não ganhamos nenhum disco de platina, mas não fizemos feio. A plateia se divertia, muita gente gostou e copiou a ideia, publicamos um livrinho, e guardamos boas histórias para contar...

Tanto não foi em vão que, 12 anos depois, fomos convidados pela Bienal para falar poesia. O nobre professor Cláudio Willer mal pôde nos apresentar. Os Camaleões, como éramos conhecidos, não conseguiram conter a excitação e iniciaram desbaladamente o recital... Graças à inteligência de Luciana Villas Boas, os poetas se acalmaram e conversaram como gente civilizada. Mais ou menos, eu diria. Pois, ficávamos os três quicando sobre as cadeiras, aproveitando a menor deixa para levantar e declamar versos.

Além da alegria do revival, entusiasmou-nos a possibilidade de ler poemas recentes, que nunca tinham sido testados no palco. E trata-se de algo mágico, quando funciona...

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Quando Luciana se dirigiu à plateia, "alguém tem alguma pergunta?", dois poetas já desandaram a declamar. Recital sempre acaba assim...

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Vai...

Durante o rodízio, pode-se frequentar o trânsito de São Paulo. O ideal seria que a escala de placas por dia, ou algo assim, existisse em caráter permanente. Melhor alguns andarem menos para que todos andem...

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Entender o Brasil...

Na semana que vem, Guilherme de Pádua e Paula Thomás vão à corte. Mais do que os julgamentos do Massacre da Candelária e da Chacina de Vigário Geral (a propósito, o julgamento foi sendo adiado, adiado e cadê?), o caso Daniela Perez será o nosso equivalente ao espetáculo americano de O. J. Simpson.

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Acompanhei de longe, de Londres, o assassinato que ganhou as páginas de todos os jornais do mundo. Notícia cheia de ingredientes espetaculares, ficção e realidade entrelaçadas, a história do apunhalamento de Daniela é um "clássico do jornalismo", como diria o cínico, ou um "espetáculo jurídico", como diria o estudante de Direito.

Tudo indica que vai ser uma barbada para a acusação. Guilherme e Paula estão em péssimos lençóis...

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Tive uma breve entrevista com Paula Thomás. Não me pareceu um modelo de saúde mental, mas isto muita gente que não é assassina também não pode pretender.

Seguindo ferreamente as orientações de seu advogado, Paula parece uma marionete repetindo a versão de um álibi frágil...

Guilherme muda de versão, a cada semana, e quando abre a boca não dá ouvidos ao advogado.

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Guilherme e Paula ilustram exemplarmente um perfil contemporâneo: jovens que não possuem nenhuma espécie de código moral orgânico. Quero dizer, gente em quem a sociedade não conseguiu introjetar uma sensação física de compaixão. Daí, que dá para identificar o medo nos olhos de Paula e Guilherme, mas culpa não.

agosto/96

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