Por Nicholas M. Merlone, especial para O DIASP (Confira aqui!)
Em Guerra Civil, novo filme de Alex Garland, o cenário é tão
inquietante quanto plausível: os Estados Unidos entraram em colapso. Forças
separatistas armadas avançam sobre Washington, enquanto o governo central se
isola e a democracia parece um vestígio do passado. É nesse contexto que o
cineasta britânico constrói um thriller político que se recusa a oferecer
respostas fáceis, mas levanta questões profundas sobre a ética jornalística, a
banalização da violência e a falência das instituições.
O filme acompanha um grupo de
jornalistas em uma jornada rumo à capital, na tentativa de entrevistar o
presidente antes da tomada militar. Entre eles, destaca-se Joel, vivido com
vigor por Wagner Moura, que entrega uma das atuações mais potentes de sua
carreira internacional. Carismático, intenso e moralmente ambíguo, seu
personagem funciona como uma espécie de bússola emocional da trama – ainda que
muitas vezes ele mesmo esteja perdido em meio ao caos. Moura domina a tela com
sua presença magnética e representa, com nuances, o conflito entre o impulso de
documentar e a impotência diante da barbárie.
Ao lado dele está Lee (Kirsten
Dunst), uma veterana fotojornalista marcada pela exaustão emocional e um olhar
desencantado sobre o mundo. Mas é a jovem Jessie, interpretada por Cailee Spaeny,
quem oferece ao espectador o ponto de vista mais impactante. Aspirante a
jornalista, inexperiente e cheia de idealismo, ela é o fio condutor da
narrativa. Em Jessie, vemos não apenas o choque da juventude diante da
brutalidade, mas também o nascimento da consciência profissional e moral de
quem escolhe relatar a verdade num mundo onde a verdade se tornou artigo raro.
Spaeny conduz sua personagem com
notável sensibilidade, equilibrando fragilidade e determinação. Sua jornada é,
no fundo, a do amadurecimento: da hesitação diante do primeiro disparo ao
sangue-frio necessário para apertar o botão da câmera no instante certo. Se
Dunst representa o fim de um ciclo e Moura, a zona cinzenta da prática
jornalística, Spaeny simboliza o que resta de esperança — ou, talvez, o quanto
essa esperança será rapidamente esmagada.
A relação entre os três é marcada
por tensão geracional, choques éticos e uma silenciosa admiração mútua.
Garland, conhecido por seus roteiros cerebrais, evita os clichês do heroísmo
fácil e foca nas escolhas difíceis. Há momentos em que a câmera de Moura parece
mais uma arma do que uma ferramenta de registro — e é essa ambiguidade que dá
profundidade ao roteiro.
Visualmente, Guerra Civil combina o realismo documental com uma estética
sombria. A fotografia aposta em luz natural, cores desbotadas e cenas captadas
em movimento, evocando o imediatismo das coberturas de guerra e aumentando o
senso de urgência. A trilha sonora é discreta, quase ausente, deixando que o
som dos tiros e das sirenes fale mais alto que qualquer música.
No fim, Guerra Civil não é apenas um alerta sobre os perigos da polarização
política ou um estudo sobre o jornalismo em tempos de colapso. É um filme sobre
testemunhar — e sobre o preço de olhar de frente para o que muitos preferem
ignorar. Com um elenco afiado e direção firme, Alex Garland entrega um dos
filmes mais relevantes do ano, e Wagner Moura consolida seu nome como um dos
grandes atores globais da atualidade.