terça-feira, 21 de outubro de 2025

Arte, educação e bem-estar: a força transformadora das mandalas na rede pública de ensino

 Por Nicholas Maciel Merlone

Publicado originalmente no Jornal O DIASP (veja aqui!)

Em tempos em que a educação pública busca se reinventar diante de tantos desafios, é inspirador ver nascer projetos que unem sensibilidade, criatividade e inovação pedagógica. É o caso da professora Monique Lobo Merlone dos Santos, do Centro de Educação Profissional Ezequiel Ferreira Lima, em Campo Grande (MS), que acaba de lançar o livro Oficina de Mandalas.

A obra integra o primeiro volume da Coletânea “Aprendizagem e o Fazer Pedagógico”, iniciativa da UNABES (Unidade de Atendimento e Bem-Estar do Servidor), vinculada à Superintendência de Gestão de Pessoas (SUGESP) da Secretaria de Estado de Educação (SED/MS). Mais do que um livro de arte, trata-se de um convite à reflexão sobre o papel da criatividade no processo educativo e no cuidado com o professor.

Fruto de experiências vividas com estudantes da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (REE/MS), Oficina de Mandalas apresenta o Método Free Hand (Mãos Livres), criado por Monique, que propõe novas formas de aprendizado artístico baseadas na liberdade expressiva, na experimentação e no autoconhecimento. O projeto nasceu dentro das ações de acolhimento da UNABES voltadas aos professores readaptados — profissionais que, mesmo afastados de sala de aula, continuam contribuindo com seu saber pedagógico.

Durante o evento de lançamento, Monique expressou sua gratidão e emoção com a realização do projeto. “Posso dizer que estou muito feliz e honrada em poder estar aqui agora realizando um sonho: que é o lançamento deste livro, onde compartilho com todos a soma das minhas ideias e experiências vividas no meu dia a dia com estudantes. E fico mais feliz ainda em saber que, através desse livro, posso ajudar outros professores e seus estudantes com o método que criei”, ressaltou Monique.

Mais do que uma publicação artística, Oficina de Mandalas se revela uma ferramenta de valorização humana. O livro reconhece a potência da arte como instrumento de aprendizado e bem-estar, ampliando o olhar sobre o fazer docente.

Nesse sentido, o secretário de Educação, Hélio Daher destaca a importância da Oficina de Mandalas, não apenas pelo impacto direto que a atividade tem no aprendizado dos estudantes, mas também pelo seu papel inspirador para os professores. “Esse livro é importante porque ele é inspirador, ele demonstra a possibilidade de inovar nos processos de aprendizagem dos nossos estudantes, além disso, ele também demonstra as possibilidades que os nossos professores têm de ampliar o seu repertório de aula, de ampliar a sua forma de conduzir o trabalho docente, isso é importante tanto no aspecto pedagógico como no exemplo que dá aos outros professores da rede”, finaliza Hélio

Finalmente, em um mundo que tantas vezes exige resultados imediatos, o gesto de parar, respirar e desenhar uma mandala pode ser, paradoxalmente, um dos caminhos mais rápidos para reencontrar o sentido do ensinar e do aprender, uma experiência realmente gratificante.

Confira aqui o livro para download
https://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/2025/02/Oficina_de_Mandalas_comp2.pdf

Portfólio - Monique Merlone (veja aqui!)


terça-feira, 23 de setembro de 2025

Advogado do Divórcio: Entre Bebericos, Boleros e Geopolítica

 Por Nicholas M. Merlone

Publicado originalmente no Jornal O DIASP (veja aqui)

Em um mundo onde o streaming nos inunda com produções de todos os cantos, uma joia rara, inesperada brilha no catálogo: a série sul coreana Advogado do Divórcio. À primeira vista, parece mais um drama jurídico, mas ao mergulhar em sua narrativa, descobrimos camadas que ecoam a realidade de forma surpreendentemente familiar, mesmo que de um jeito completamente inusitado.

A dinâmica entre os amigos é o que mais salta aos olhos. Lembram do filme brasileiro E aí, comeu? de Marcelo Rubens Paiva. Aquele retrato sincero e bem-humorado de três amigos que, em meio a conversas descompromissadas regadas a chopp, discutem a vida, o amor e suas frustrações. Advogado do Divórcio repete essa fórmula com maestria. As sessões de soju (a bebida alcoólica coreana), onde os personagens expõem suas almas e seus corações, são um espelho das nossas próprias noitadas de boteco. É nessas interações que a série ganha vida, mostrando que, independentemente da cultura, a amizade e a vulnerabilidade são universais. Outro ponto interessante, que não pode deixar de ser dito, mas que vale menção, é a culinária coreana. Em diversos episódios da série, os personagens se esbaldam com lamen e churrasco coreano, entre outros pratos típicos.

A trilha sonora da série é um espetáculo à parte, e merece uma atenção especial. O Trot, um estilo de música popular coreana, domina a cena. Com suas melodias melancólicas, românticas e emotivas, o Trot tem uma similaridade impressionante com o bolero. Assim como o bolero, que embalou amores, desilusões e dramas passionais no Brasil e na América Latina, o Trot é a trilha sonora das emoções profundas da Coreia. É um gênero que fala diretamente ao coração, unindo o público em uma experiência de pura catarse.

Mas a série não se resume a bebericos e música. Ela também é um instrumento de soft power da Coreia do Sul. O governo sul coreano, ciente do potencial de suas produções culturais, investe pesado para usar a música popular e os filmes para construir uma imagem positiva e moderna do país. Ao mostrar a Coreia como uma nação vibrante, inovadora e culturalmente rica, eles indiretamente confrontam a narrativa isolada e repressiva da Coreia do Norte. Advogado do Divórcio se torna, assim, mais do que entretenimento: é uma peça sutil, mas poderosa, no tabuleiro geopolítico, mostrando ao mundo uma Coreia aberta e cheia de vida.

Em suma, Advogado do Divórcio é um exemplo de como a cultura pode transcender fronteiras. É uma série que nos faz rir, chorar e, acima de tudo, nos reconhecer em suas histórias, sejam elas sobre amizade, música ou o complexo jogo de tabuleiro das relações internacionais. Mais que uma comédia leve, água com açúcar, e com dramas familiares, é, ao mesmo tempo, suave e profunda, trazendo não só divertimento, como também reflexões relevantes.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

IASP | Crime e Castigo - Ana Elisa Bechara

 No dia 09 de setembro de 2025, no Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), ocorreu o evento presencial sobre a clássica obra russa, Crime e Castigo, do autor Fiódor Dostoiévski. A palestra, na ocasião, foi proferida pela professora titular de direito penal da USP e vice-diretora, Ana Elisa Bechara. O acontecimento foi organizado pela Comissão de Direito e Literatura do IASP, pelo seu presidente, Ricardo Peake Braga, e sua vice-presidente, Marina Bevilacqua de La Touloubre.

Inicialmente, a expositora afirmou que direito e literatura, com razão, se trata de um mundo mais rico! Que a ideia do evento seria a troca de ideias e realização de debates, um bate papo. Tudo sob a perspectiva de uma penalista.

Como penalista, disse que os penalistas são insensíveis por natureza, fazendo a racionalização da violência, o que seria um paradoxo, já que a violência é humana. Igualmente, essa insensibilidade marca a naturalização do poder punitivo do Estado.

Em seguida, dispõe que, quando se lê um livro, não tem como não se emocionar, pois tira-se do conforto, para enfrentar fantasmas, que ficam abertos pela dogmática. Com efeito, a discussão não é simples, porque fica na consciência.

Então, hoje, trabalhar com fantasmas revela a complexidade do ser humano. Tal complexidade é inerente à narrativa literária, demonstrando a essencialidade natural das coisas. Assim, aborda o mundo técnico, onde os homens são úteis, o que difere da construção literária.

Com certeza, Crime e Castigo, não merece uma aula, mas um curso, nas palavras da palestrante. É, sem dúvida, uma obra de arte complexa, com muitos pontos de discussão, passando pela filosofia, sociologia, teologia, psicologia e também pelo direito.

De fato, é uma obra perene que antevê a realidade atual, uma obra clássica que perdura até os dias atuais. Tal obra é fruto da experiência do autor, que foi prisioneiro na Sibéria, na época da monarquia russa. Ele foi condenado à pena de morte, mas na última hora foi libertado pelo Czar. Teve, realmente, uma experiência de quase morte. Sofreu uma transformação de vida, o que impactou sua obra literária, com influência da política de então.

Como disse, foi prisioneiro na Sibéria, convivendo com presos políticos. Neste momento, se dá conta da humanidade na prisão. Essa experiência, certamente, influenciou e impactou suas obras literárias posteriores. No total, o autor escreveu mais de 12 livros, se tornando mais conhecido por seus trabalhos literários escritos depois da prisão.

No contexto da época, temos a Questão Política (década de 1860), com reformas, como a do Poder Judiciário (1864), em que o Tribunal do Júri foi aberto ao público. Com isso, o autor busca inspiração no mundo jurídico penal. Trata-se de uma obra com muita simbologia, com personagens tipos, com características humanas peculiares e metáforas para pessoas da época.

Crime e Castigo ocorre em São Petersburgo. O protagonista da estória é Raskólnikov, um estudante pobre de direito, que abandonou o curso por pouco dinheiro. Com isso, o cotidiano do jovem marca-se por ficar no quarto pequeno e perambulando pelas ruas de São Petersburgo. Tal cidade é lúgubre, com vagabundos e comerciantes, adepta da tecnologia de produção ocidental, porém com ideias do Leste Europeu. Realmente, a grande massa da população não se enquadra nos moldes modernos.

O jovem, com pouco dinheiro, penhora seus bens, para uma velha mesquinha. Então, começa a refletir... sobre a lei e os valores morais. Interessante! Recorre à figura de Napoleão, pensando nas pessoas em dois tipos: 1) ordinárias; e 2) extraordinárias. Napoleão, certamente, uma figura histórica. O rapaz, assim, pensa em que tipo de pessoa seria. As do segundo tipo teriam ideais superiores, estando acima das normas vigentes e, por conseguinte, das do primeiro tipo.

Diante dessas reflexões, cogita a possibilidade de matar a velha e, com seu dinheiro, favorecer os pobres, fazendo o mal em prol do bem. Ele planeja o crime e mata a senhora à machadadas. Porém, sem planejar mata a irmã mais nova da senhora, pois ela presenciou o crime. O mancebo, assim, enterra os bens roubados, para recuperá-los depois.

A partir daí, o personagem mergulha em um estado paranoico, com sentimento de culpa. Confessa depois o crime para Sônia, uma jovem prostituta. A rapariga o aconselha a assumir a culpa. Daí sofre com questionamentos, em paralelo, ocorre a investigação do homicídio.

Para a expositora, a beleza da obra reside não no enredo, mas na densidade psicológica. Os personagens, com efeito, têm o bem e mal dentro si! Não num simples maniqueísmo. São, realmente, complexos. No cenário, pode-se refletir sobre o pensamento utilitarista inserido em conflitos morais. Raskólnikov tem um aprofundamento filosófico e psicológico. Temas como falta de moral universal, universalismo e outros, conduzem ao extremo de revogar o mandamento "não matarás". O extremo da razão humana desconstrói "Deus", com a morte de Deus. E, assim, desdobra-se... "Se Deus não existe, então tudo é permitido!" Trata-se isso do relativismo ético, em que os mandamentos e as leis são somente para seres ordinários e não extraordinários.

O personagem é órfão de Deus. Mata e sofre. A vaidade não suporta o fardo ou a culpa, na obra inteira é atormentado por culpa. Com certeza, consiste em um livro com perguntas sem respostas definitivas. Há também uma questão humanitária: matar uma mulher inútil para beneficiar pobres. O autor tece assim uma crítica ao pré-capitalismo. Na obra ocorre um deslocamento de tensão do fato criminoso para o homem criminoso, um ser doente, em conflito atávico. Com a assunção da culpa e da autoria do crime, o jovem criminoso renasce. Nesse sentido, pode-se dizer que o conhecimento ilumina o ser humano. Por outro lado, o estudante foi bárbaro, matou à machadadas! Também no contexto há o conflito entre moral e religião, da mesma forma, a utilidade social, o utilitarismo.

Tudo isso conduz à capacidade de reflexão sobre a humanidade, sobre o próprio direito penal! O ser humano como criminoso justifica em seu interior o crime, racionaliza a culpa. Quanto à punição, há o sacro e profano, o delito e o pecado. A penitenciária é o local onde ocorre o castigo. Por isso, o livro é tão atual, envolvendo o direito penal presente na obra e contextualizado com o personagem.

Outras reflexões decorrentes...

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Fica atrás somente dos EUA e da China. Na frente, da Rússia. A palestrante, assim, afirma que todos temos conflitos internos, nos identificamos com a obra, porque todos somos seres humanos complexos. Temos uma lição dura! É preciso pensar na realidade!

O Direito Penal aborda o delito e a pena. O primeiro é o que é tipificado. A segunda é a que se comina. Mas, não é tão simples, como se ensina nas faculdades de direito. O que é de fato o delito? Para que serve realmente a pena?

Sem respostas de manuais...

É necessário refletir além da dogmática e da lei posta!

O verdadeiro objetivo inerente é a política. De forma racional, busca-se o controle social, em que se coíbe a violência pela violência.

Com relação à história de evolução das penas, relacionadas aos delitos, Michel Foucault propõe, em suas obras, substituir penas cruéis por penas mais humanizadas. 

Há de um lado a justificativa da escola positivista, porém é preciso compreender a realidade atual.

Antes, havia o arbítrio absolutista, que migrou para o racionalismo liberal. Todavia, é necessário desconfiar do direito penal e da pena. Fatidicamente, a dogmática penal se afasta da realidade! Temos princípios lindos, que não passam de discurso vazio! A pena serve para ressocializar e educar? Com razão, temos um raquitismo teórico, uma teoria de 200 anos, vinda da Europa, outra realidade totalmente diferente. Isto é imposto aos manuais de direito penal de nossas terras brasileiras. Mas, não engana ninguém, de fato, não há aplicação prática!

No fim das contas, a culpa não é do Estado, do orçamento etc. Mas, do Direito que desumaniza pessoas. A grande lição de Crime e Castigo reside na contradição humana, que abrange raiva, culpa etc. O livro termina e não chega a resposta. Da obra decorrem muitas leituras, como dito, e também da ética. O autor foi um verdadeiro prisioneiro e de sua vivência como delinquente, de suas conversas com outros presos, teve uma experiência de vida fundamental, para construir sua eterna obra clássica, que perdura até os dias atuais. O conflito humano é diário! E o Sistema de Justiça não acompanha este ritmo!

Ricardo Peake Braga


A professora Ana Elisa Bechara presenteou o IASP com uma profunda e abrangente exposição sobre “Crime e Castigo”, de Dostoievski.

Como ela bem observou, a obra trata de fantasmas que povoam a alma do ser humano e sua pretensão de estar acima da moralidade comum.

A pretensão de saber o Bem e o Mal, de decidir o que é o certo e o errado, é antiga: é o próprio pecado original, comer da árvore do conhecimento do Bem e do Mal e “ser como deuses”. Gênesis, 3:5.

Longe de se tornar deus, quem se coloca acima do Bem e do Mal, quem pensa saber o que é o Bem e Mal, ingressa num inferno de angústia, de remorso, de culpa.

Raskolnikov vive seu inferno, expiando sua soberba com muita dor e angústia. Só encontrará a redenção quando Sonia mostra a ele o poder do amor, a superioridade do amor sobre o conhecimento.

O conhecimento deve sempre subordinar-se ao amor e à bondade. Sem eles, torna-se inevitavelmente criminoso.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

O DIASP | ÉDIPO REI terá estreia mundial em São Paulo

Publicado originalmente no Jornal O DIASP (veja aqui!)

Uma ópera em português que une música e dança em montagem inédita da UNIOPERA

Por Nicholas Maciel Merlone

Em setembro, São Paulo será palco de um acontecimento histórico para a cena lírica contemporânea: a estreia mundial da ópera ÉDIPO REI, do maestro e compositor Luciano Camargo, no Teatro Bradesco. A temporada, com sete récitas entre os dias 26 de setembro e 5 de outubro, promete unir tradição e inovação em uma montagem grandiosa que reúne orquestra sinfônica, solistas de destaque, coro e a presença da dança contemporânea.


Maestro Luciano Camargo, autor da ópera ÉDIPO REI |
Foto: Andrea Camargo/Divulgação
Inspirada na clássica tragédia de Sófocles, a ópera foi concebida ao longo de quase dez anos de trabalho. Estruturada em quatro atos, mantém a fidelidade à narrativa original, ao mesmo tempo em que amplia suas dimensões simbólicas e musicais. O libreto e a direção cênica são assinados por Rodolfo García Vázquez, fundador do grupo Os Sátyros.

Um dos aspectos mais marcantes da obra é a escolha da língua portuguesa como idioma integral da encenação. Em contraste com a tradição do repertório operístico, usualmente cantado em italiano, francês ou alemão, ÉDIPO REI aposta no português como forma de afirmação cultural e aproximação com o público brasileiro. “A Língua Portuguesa, com sua musicalidade própria, precisa ocupar seu espaço nas grandes formas musicais. É também um convite para que o público brasileiro se reconheça no palco como protagonista cultural”, afirma Luciano Camargo, que também estará à frente da regência.


Para dar vida a essa arquitetura sonora, o elenco reúne intérpretes de renome: Jabez Lima e Rafael Stein (Édipo), Joyce Martins (Jocasta), Rodolfo Giugliani (Creonte), Gabriela Bueno (Tirésias) e Isaque Oliveira (Corifeu).


A montagem ganha ainda maior expressividade com a participação do Ballet Jovem Cisne Negro. Quatro bailarinas integram a cena de Jocasta, no terceiro ato, sob coreografia de Stephanie Alvarenga. A inserção da dança amplia o caráter ritualístico da obra, oferecendo novas camadas de leitura.


Com cenários de Priscila Soares, iluminação de Guilherme Bonfanti, figurinos de Amanda Pilla B. e Samantha Macedo, além da maquiagem de Ana Paula Costa, ÉDIPO REI assume uma encenação contemporânea que preserva a densidade da tragédia grega sem abrir mão de falar ao presente. Ingressos: https://uhuu.com/evento/sp/sao-paulo/opera-edipo-rei-14230 


Sobre o compositor


Fundador da UNIOPERA, doutor pela ECA-USP, regente e professor universitário, Luciano Camargo tem carreira consolidada em repertório vocal-sinfônico e operístico. Desde 2018, dirige temporadas de ópera no Teatro Bradesco, com títulos consagrados como A Flauta Mágica, O Barbeiro de Sevilha, Carmen, La bohème e La traviata. Como compositor, assina obras sacras, corais e, agora, sua primeira ópera de grande porte com ÉDIPO REI.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Entrevista com o maestro e compositor Luciano Camargo

 Entrevistado por Nicholas M. Merlone 

1) Conte-nos um pouco da sua trajetória


Sou regente, compositor e professor universitário, com especialização no repertório vocal-sinfônico e operístico. Minha formação é toda pela ECA-USP, onde concluí o bacharelado, o mestrado e o doutorado em Música. No doutorado, desenvolvi uma pesquisa sobre a música soviética do século XX, em especial as sinfonias de Dmitri Chostakóvitch, autor que sempre me inspirou pela linguagem musical inovadora de sua obra.


Como regente, tive a alegria de dirigir produções operísticas de grande alcance desde 2018, no Teatro Bradesco em São Paulo — incluindo títulos como A Flauta Mágica, de Mozart; O Barbeiro de Sevilha, de Rossini; Carmen, de Bizet; La bohème, de Puccini; e La traviata, de Verdi, que inclusive se tornou objeto de um estudo de pós-doutorado em performance musical.


Maestro Luciano Camargo, autor da ópera ÉDIPO REI | Foto: Andrea Camargo/Divulgação
Minha trajetória também tem uma forte dimensão internacional: vivi dois anos em Freiburg, na Alemanha, como diretor de música sacra, realizei estágio acadêmico no Conservatório Estatal de São Petersburgo, na Rússia, e tive a oportunidade de reger como convidado a Orquestra Filarmônica de Lugansk e a Orquestra Sinfônica Estatal de Variedades de Kiev, na Ucrânia, além de ter realizado um concerto com obras de compositores brasileiros frente à Orquestra Gran Mariscal de Ayacucho em Caracas em junho de 2025, a convite da Embaixada do Brasil na Venezuela.

Desde 2023, atuo como professor de regência e canto coral no Instituto de Artes da UNESP, sempre conciliando o ensino com a atividade criativa. Como compositor, trilhei caminhos ligados principalmente ao repertório sacro, com obras corais e orquestrais como Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat (2001), Auto de Natal (2009) e Cântico Universal (2013).


Agora, em 2025, estou prestes a realizar um dos projetos mais significativos da minha carreira: a estreia da minha primeira ópera, Édipo Rei, com libreto de Rodolfo García Vázquez, inspirada na tragédia de Sófocles.



2) O que te fez tomar gosto pela música?


Eu costumo dizer que o momento decisivo aconteceu quando eu tinha por volta de dez ou doze anos. Foi quando assisti ao filme Amadeus. Aquela experiência foi reveladora: ver a vida de Mozart retratada na tela me fez perceber, pela primeira vez, que a música e a composição não eram apenas um fascínio distante, mas poderiam ser caminhos profissionais possíveis. A partir dali, a ideia de viver da música ganhou uma clareza que nunca mais me deixou. O encantamento inicial, somado à vivência com coros, concertos e estudos, só confirmou essa vocação e me levou a seguir adiante, com cada vez mais entrega e paixão.

3) O que te motivou a seguir a carreira de maestro e compositor?

A regência sempre me atraiu pela possibilidade de transformar o gesto em som coletivo. Desde cedo percebi que reger é muito mais do que marcar compassos: é dar forma a uma experiência estética compartilhada, conduzindo músicos e público a uma mesma respiração. Esse papel de mediador entre a partitura e a emoção foi determinante para a minha escolha.

Já a composição veio de uma necessidade íntima de expressão. Trabalhar com o repertório tradicional é um privilégio, mas havia em mim a vontade de criar algo que dialogasse com o presente, com a nossa cultura e com as inquietações que carrego. Foi assim que nasceram minhas cantatas e obras sacras, e mais recentemente a ópera ÉDIPO REI. Escrever uma ópera é um mergulho profundo: exige paciência, persistência e uma escuta muito atenta do que significa contar uma história por meio da música. Esse desejo de dar voz própria, ao mesmo tempo em que dialogo com a tradição, é o que me motiva todos os dias.


4) Qual é o papel da música na educação, cultura e desenvolvimento do país?

A música, assim como as demais artes, constitui a própria identidade de um povo. Por esta razão, o cultivo, o ensino e o incentivo à música nos diversos níveis - desde educacionais até as mais altas instituições musicais - são essenciais para o desenvolvimento e a afirmação dos valores de uma comunidade, sua própria autonomia de pensamento.


Em grande medida, a música de raiz folclórica e as manifestações populares em geral já contribuem de forma significativa com a identidade brasileira. Entretanto, a música de concerto e, em especial, a ópera, carecem de investimentos e um comprometimento definitivo das diversas instâncias governamentais para seu efetivo desenvolvimento e difusão social.


Para além de sua importância intrínseca, há que se considerar que a música tem impacto direto na sociedade: ela gera empregos, movimenta a economia criativa, mas sobretudo amplia horizontes, porque uma sociedade que valoriza a arte forma cidadãos mais críticos, sensíveis e preparados para enfrentar desafios. Investir em música é investir em pessoas — e sem esse investimento não há futuro possível.



5) Que conselhos daria a um jovem que pretenda seguir a carreira de maestro e compositor?


Não tenha pressa. A música é feita de tempo, de amadurecimento e de escuta. Estudar com dedicação é essencial, mas tão importante quanto o estudo é a experiência prática: reger pequenos grupos, escrever peças curtas, ouvir muito, errar e corrigir.


Outro ponto é cultivar a humildade do diálogo. O maestro não é um solista, mas alguém que cria unidade; o compositor não escreve para si mesmo, mas para que sua obra ganhe vida nas vozes e instrumentos de outros. Por isso, é fundamental aprender a ouvir o outro.


E, por fim, eu diria: busque sua própria voz. Aprenda com os grandes mestres, mas não se acomode em repetir fórmulas. O que vai sustentar sua carreira é a autenticidade, a verdade daquilo que você tem a dizer por meio da música.


sábado, 23 de agosto de 2025

Ópera “ÉDIPO REI” estreia mundialmente em São Paulo com música original de Luciano Camargo

 A clássica tragédia de Sófocles é reinventada como uma grande ópera cantada em português e marca um momento histórico para a produção lírica contemporânea no Brasil



São Paulo, 2 de julho de 2025 – A partir de 26 de setembro, o Teatro Bradesco recebe a estreia mundial da Ópera ÉDIPO REI, obra inédita do maestro e compositor Luciano Camargo, com libreto e direção cênica de Rodolfo García Vázquez (fundador do grupo Os Sátyros). A produção é uma realização da UNIOPERA, reunindo orquestra, coro e solistas em uma montagem grandiosa e contemporânea, inteiramente cantada em português — uma escolha artística que resgata e atualiza uma tradição ainda rara, mas historicamente relevante, no repertório operístico nacional.


Embora o Brasil conte com exemplos notáveis de óperas escritas em português — como Pedro Malazarte, de Lorenzo Fernandez, O contratador de diamantes, de Francisco Mignone, e Yerma, de Heitor Villa-Lobos — o número de grandes produções originais em língua portuguesa ainda é pequeno no cenário operístico profissional. A Ópera ÉDIPO REI, composta entre 2013 e 2022, soma-se a esse seleto conjunto de obras, propondo um diálogo entre a musicalidade do idioma e a força dramática da tragédia grega.


Baseada na peça de Sófocles, “Édipo Rei” é considerada uma das maiores tragédias do teatro antigo e ganha nova forma em quatro atos, com dramaturgia musical densa e estrutura fiel à obra original. A narrativa acompanha o herói tebano na investigação do assassinato do Rei Laio – uma busca que acaba por revelar segredos terríveis sobre sua própria origem. Ao longo de 150 minutos de espetáculo, o público será conduzido por uma jornada de mistério, identidade e destino.


A obra se destaca não apenas por sua densidade dramatúrgica, mas também pelo idioma escolhido. Segundo o compositor Luciano Camargo, escrever uma ópera em português foi uma decisão estética e política: “A Língua Portuguesa, com sua musicalidade própria e riqueza expressiva, precisa ocupar seu espaço nas grandes formas musicais. É também um convite ao público brasileiro para se ver refletido na ópera, não como estrangeiro, mas como protagonista cultural.”


Maestro Luciano Camargo, autor da ópera ÉDIPO REI | Foto: Andrea Camargo/Divulgação



Com linguagem pós-tonal, fortemente influenciada por autores como Dmitri Chostakóvitch, e uso expressivo de leitmotifs associados a personagens e ideias, a obra alia sofisticação técnica e impacto emocional direto.


“Escrever essa ópera foi um processo artístico e existencial. A tragédia de Édipo, com sua busca incansável pela verdade, se revela dolorosamente atual”, afirma Camargo, que conduzirá a orquestra nas sete récitas da temporada.


O libreto, escrito por Rodolfo García Vázquez, traz à cena o coro grego como figura central, preservando a dimensão filosófica e coletiva do teatro antigo. A montagem conta ainda com cenários de Priscila Soares, iluminação de Guilherme Bonfanti, figurinos de Amanda Pilla B. e Samantha Macedo, e maquiagem de Ana Paula Costa.


O papel-título será interpretado alternadamente por Jabez Lima e Rafael Ribeiro. Joyce Martins vive Jocasta, ao lado de Rodolfo Giugliani (Creonte), Gabriela Bueno (Tirésias) e Isaque Oliveira (Corifeu).


Sobre o compositor: Luciano Camargo


Fundador da UNIOPERA, doutor pela ECA-USP, regente e professor universitário, Luciano Camargo tem uma carreira consolidada em repertório vocal-sinfônico e operístico. Desde 2018, dirige temporadas de ópera no Teatro Bradesco, com títulos consagrados como A Flauta Mágica, O Barbeiro de Sevilha, Carmen, La bohème e La traviata. Como compositor, tem no currículo obras sacras, corais e, agora, sua primeira ópera de grande porte com ÉDIPO REI.


A estreia promete ser um marco no cenário operístico nacional, oferecendo ao público uma produção profunda, original e cantada em português — algo ainda raro nas grandes casas de ópera.


Sobre a UNIOPERA


A UNIOPERA (Associação Coral da Cidade de São Paulo) é uma entidade não-governamental sem fins lucrativos dedicada à difusão da ópera, da música de concerto e do canto coral. São mais de 20 anos de tradição, realizando montagens nas principais salas de espetáculo no estado de São Paulo. Desde 2016 realiza regularmente temporadas de concertos sinfônicos e óperas no Teatro Bradesco, em São Paulo.


Desde sua fundação, em 2002, mais de 2 mil pessoas já tomaram parte do Coral da Cidade de São Paulo e de seus cursos de teoria musical, solfejo e técnica vocal, oferecidos gratuitamente para participantes de todas as idades, profissões e interesses. A entidade, constituída juridicamente desde 2009, possui atualmente centenas de associados e participantes de suas atividades artísticas e formativas.


A UNIOPERA é pioneira em produções independentes na área da música de concerto e ópera, e realiza espetáculos de grande porte fora do circuito convencional, com a participação voluntária por meio de um coral comunitário, inspirado no modelo da “Wiener Singverein” (União Vienense de Canto).


SERVIÇO


Ópera Édipo Rei
Compositor e regente: Luciano Camargo
Direção cênica e libreto: Rodolfo García Vázquez
Classificação etária indicativa: 12 anos


Teatro Bradesco São Paulo

Shopping Bourbon – R. Palestra Itália, 500 – Perdizes – São Paulo – SP


Datas:

26 de setembro, 2 e 3 de outubro, às 20h

27 e 28 de setembro, 4 e 5 de outubro, às 16h


Elenco:

Édipo – Jabez Lima e Rafael Stein

Jocasta – Joyce Martins

Creonte – Rodolfo Giugliani

Tirésias – Gabriela Bueno

Corifeu – Isaque Oliveira

Mensageiro de Corinto – Fellipe Oliveira

Pastor – Ernesto Borghi

Damas de companhia – Ballet Jovem Cisne Negro

Anne Evelyn

Ana Paula Trevisan

Ana Luiza Veiga

Graziela Mendonça


Direção artística Cisne Negro: Dany Bittencourt

Coreografia: Stephanie Alvarenga


Figurinos: Amanda Pilla B. e Samantha Macedo

Cenários: Priscila Soares

Iluminação: Guilherme Bonfanti

Maquiagem: Ana Paula Costa

Direção cênica: Rodolfo García Vázquez

Coro e orquestra: Cia. UNIOPERA

Direção musical: Luciano Camargo



Realização:

Associação Coral da Cidade de São Paulo/UNIOPERA | Link

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Arte, educação e bem-estar: a força transformadora das mandalas na rede pública de ensino

  Por Nicholas Maciel Merlone Publicado originalmente no Jornal O DIASP (veja aqui !) Em tempos em que a educação pública busca se reinvent...